terça-feira, 29 de dezembro de 2020

MULTIDÕES


 

Sou-me uma multidão de coisas...

E não me é fácil sê-las, 

Tão pouco domá-las!

Sou-me uma multidão de sonhos.

E me é tão divertido ser-me tanto!

E tão solitário! E tão infeliz!

Todavia, ser-me não é só existir-me!

Mas viver-me,

Mesmo sendo-me uma multidão de medos.

Nadar-me,

Pois sou-me uma multidão de mares.

Voar-me,

Buscar-me...

Pois sou-me uma multidão de precipícios.

 

Sou-me uma multidão de coisas enfim.

 

Sou-me uma multidão de nadas.

Sou letras e células;

Poemas e tecidos;

Prosas e órgãos!

Sou-me uma multidão de organismos.

 

Sou acordes de jazz,

Distorções de guitarras,

Vibratos de óperas;

Cordas, vozes, sopro.

Sou-me uma multidão de notas.

 

Sou-me uma multidão de cores.

Sou somas, divisões e subtrações;

Danças, cantos;

Saltos, passos.

Sou-me uma multidão de atos.

 

Sou-me uma multidão de lutas.

Sou-me uma multidão de chatices.

Sou-me uma multidão de belezas e feiúras.

 

Sou-me assim, de coisas, 

Uma multidão, enfim.

 

Sou-me as multidões

Que preenchem a minha alma.

Sou-me uma multidão de parcas porções

E não me é fácil dosá-las!

Derramo-me em multidões de vento...

Sou-me o convergir e o divergir de vários “mins”.

 

Enfim sou-me uma multidãos de coisas...

 

Sou-me uma multidão de abraços.

Sou-me uma multidão de migrações.

Sou-me uma multidão de idiossincrasias...

De risos...

De besteiras.

 

Sou-me uma multidão de lágrimas.

Sou-me uma multidão de retalhos.

Sou-me uma multidão de tempos.

Sou-me uma multidão de ventos.

 

Sou-me assim, de coisas, 

Uma multidão, enfim.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

O Caminho


 


Às vezes, meu caminho é abismo! Porque, às vezes, é somente numa queda que se encontram os elementos necessários para se iniciar uma nova jornada. Sou o desconhecido e saio para uma queda-livre em mim mesmo; saio da caverna em busca de novas luzes para assim poder desvelar novos matizes. Sou o Tolo em conquista do Mundo. Nem que este mundo seja apenas o círculo de mim mesmo! Sou o Tolo, o Louco; o Coringa e, em mim, há muitas faces. Eu caminho para frente, olhando para trás, pois sou o passado, sou o futuro e meu olhar é interno, nada mais.

Depois dessa queda, desse voo, caminho como um saltimbanco... Sou o Mago o qual cata nos grãos de terra, nas gotas da água, nas brisas de vento, nas faíscas do fogo a energia que me reconectará a mim mesmo. Possuo todas as possibilidades. Sou o masculino de todos os inícios. Estou no céu e na terra. Sou a Rosa dos Ventos, enfim sou todas as direções e nada mais.

Sou polar! Partindo do masculino para o feminino, percorro meus polos. Sou a virgem. Sou o véu que se rasga... Sou a Sacerdotisa a qual, na dúvida, intui com toda a sua essência. Sou o silêncio passivo de um novo saber. Sou o feminino recatado. A sabedoria da intuição. Penetro-me, invagino-me no meu feminino espiritual e nada mais.

Desenvolvo minha feminilidade e torno-me a própria Mãe Natureza. Sou a fertilidade da terra sensual em cio. Sou o ventre, o ovo que a tudo germina. Sou a primavera, porém também sou o inverno, e assim, no gelo, guardo-me para outro desabrochar em campo dourado que o vento acaricia e engravida. Sou a Imperatriz do mundo, a floresta da vida e nada mais.

De volta ao meu masculino, sou o Imperador a procura de novos territórios para governar. Quero o mundo dominar. Quero impor a rigidez do meu poder. Sou a matéria, a realização. Sou a ordem sobre a natureza. Organizo, civilizo; sou o pai, o provedor e nada mais.

Sou o espírito que envolve a matéria. Prendo-me aos dogmas. Desenvolvo o lado social de mim mesmo. Sou o Sacerdote que abençoa. Educo-me. Sou a cultura, a tradição. Desenvolvo meus princípios e aprendo a ser leal a eles. Sou a religiosidade, a sociedade e nada mais.

Estou sob a flecha de Eros. Sou o livre-arbítrio da escolha. Perco-me na dualidade de um ser centrífugo, dissipando-me pelo mundo, construindo-me de encruzilhadas. Agora sou autorresponsável, desenvolvo meu amor-próprio. Duvido, escolho, decido; aprendendo com as consequências dessas escolhas e nada mais.

Caminho, corro... Harmonizo minhas dualidades e oposições, dominando-as. Sou o direcionamento. Sou o herói coroado em sua glória. Percorro qualquer terreno na direção que domino. Sou o Carro, a Carruagem. Não importa a estrada, sou o controle sobre a direção e nada mais.

Sou a balança que julga e a espada que golpeia se assim se fizer necessário. Sou a Justiça, sou o ajuste das arestas desnecessárias, tenho pratos vazios e neles tudo se aceita pesar. Tenho uma espada divina e nada mais.

Recluso, percorro-me e reavalio-me. Caminho devagar, iluminando meus passos. São passos curtos, mas certeiros no caminho. Encontro uma luz para me guiar. Sou a luz de mim mesmo e nada mais.

Sou o destino de raios centrípetos e diâmetros centrífugos. Sou o karma, sou o sansara, sou a roleta das mudanças. Uma roleta sem apostas, pois não há perdas nem ganhos, somente giros, transformações... Sou a Roda da Fortuna que muda, gira, roda, sobe, desce... Sou os ciclos e nada mais.

Nessa trilha que sigo, uma coragem é exigida de mim: a de domar a matéria com o espírito, o consciente com o inconsciente, a rudeza com a delicadeza; aprendendo, assim, a domar meus leões sem braços, nem chicotes. Com minhas mãos, seguro sua bocarra, sentindo seu hálito quente escorrer por entre meus dedos. Sou a Força e faço meus leões dormirem na selva da minha alma e nada mais.

É pelo sacrifício que vem o renascimento. Às vezes, é preciso pendurar-se de cabeça para baixo para ver o mundo com outro olhar. Sou o momento da morte. A agonia. O abandono. Meu céu são grãos de areia. Sou o “padecer no paraíso” do autossacrifício. Sou o Pendurado, o Enforcado pelo calcanhar e estou no casulo da borboleta e nada mais.

Sou a semente que morre para que a planta nasça. Morro para me tornar o próprio tempo, para mudar de dimensão. Sou o outono em crepúsculo vermelho, soltando as folhas que adubarão minhas raízes. Apodreço para voltar à vida. A Morte é meu nome e sou a borboleta em seu primeiro voo e nada mais.

Depois de morrer o necessário, preciso de uma proteção divina... Preciso de um anjo que me tempere e que me verta harmoniosamente de um vaso a outro, misturando-me em rio eterno, enfim conhecendo a medida certa de mim mesmo, encontrando A Temperança no fluir das águas que há em mim e nada mais.

Contudo ainda há em mim o desejo das minhas vaidades. Sou o prazer do meu sexo. Eu sou a sedução do eu, dos meus sentidos e nada mais! Danço acorrentado ao Pan que guardo em mim... Inebriado pela música e pelo vinho que entorpecem o consciente, danço vendendo minha alma à carne! Só existe o físico, seus prazeres, seus sete pecados capitais e nada mais.

Do céu descem os raios que destroem essa minha prepotência. Minhas torres são destruídas. Os castelos de Ego, que me afastaram do mundo e do convívio, tornam-se ruínas. Despenco-me das minhas vaidades, sujando-me com a lama das minhas coroas aniquiladas e nada mais.

Enlameado, dispo-me de todos os trajes possíveis e nua, sob as estrelas, sou A Estrela mais brilhante. Renovo-me de outras esperanças. Despejo-me na terra para hidratá-la com minhas águas e deságuo-me no rio para me libertar de minhas hipérboles. Não desisto; decido, pois há uma luz a qual anuncia que o fim da jornada se aproxima e nada mais.

Contudo ainda me perco em algumas sombras que resistem... Sou o mistério lunar, um reflexo do brilho solar. Sou eclipse. Tenho uma luz que ilumina e esconde. Sou romance e lobisomem. Sou cheia e minguante. Mostro e escondo. Tenho uma luz-gravidade que em tudo interage. Sou o amor e o medo. Sou um labirinto de espelhos. Sou a Lua, a luz anfótera que ilude, acende e nada mais.

Depois de percorrer minhas sombras, sou solar! Sou a estrela máxima e central. Sou vida. Sou luz. Estou mais perto de mim mesmo e nada mais.

Renasço. Renovo. Harmonizo o passado que há em mim. Sou o Julgamento das conquistas que alcancei. Sou renascimento, a transformação de mim mesmo, a ressurreição e nada mais.

Cheguei ao Mundo. Sou o nada e sou o tudo. Danço em harmonia com o universo, pois sou um com o paraíso. Termino, porque outros inícios me aguardam: outros círculos se interseccionarão a mim. Sou a vesica piscis de mim mesmo e nada mais.

Percorro os arcos dos caminhos, formando meus ciclos. A vida é um rio! Um rio cíclico. Um rio de águas, que sempre retornam diferentes, sejam no que carregam, sejam no seu fluir, sejam em sua matéria. São águas que vêm e voltam sempre água, porém diferentes. Também sou o vento, sem espaço ou tempo. Sou a luz de um caleidoscópio, sou sem número, porque percorro todos esses 21 caminhos. Sou o chão de uma nova estrada. Sou a chama que cataliza um novo início. Sou o início e o final do círculo. E assim saio para outras jornadas, pois a existência é uma hidrografia de jornadas simultâneas, com rios principais e afluentes; perenes e intermitentes que se cruzam, completam-se, tangenciam-se; congelam, evaporam, condensam seguindo seu curso e nada mais...

Florianópolis, maio de 2016.

 

Precisamos de mais amor próprio

  VI – Os Enamorados Precisamos de mais amor próprio. Abrace-se.  Por quê? Porque sem amor próprio andamos em círculos, já com amor pr...