segunda-feira, 24 de outubro de 2022

mas o morrendo e o nascendo

 

XII – O Pendurado

Não sou mais o ontem, e nem sou ainda o amanhã. Não sou o antes mais, e nem o depois.

Sou a exata passagem; nem mais, nem menos: o meio! O crepúsculo, o instante exato; sem tirar, nem pôr...

Os opostos se mesclando, o laranja... nem dia, nem noite; nem amarelo, nem vermelho. Com meus polos se diluindo, imiscuindo, num psicodélico caleidoscópio...

Uma pedra de gelo escorregando numa chapa quente: água sólida e líquida e gasosa ao mesmo instante chiadamente.

Sou uma desidentificação... Não a morte ainda, mas o morrendo e o nascendo concomitantemente.

Não a borboleta ainda. O casulo, todavia, e nada mais.

O meio. Metamorfose metabólica e nada mais.

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Remexendo águas

XII – O Pendurado

Em um alvorecer chuvoso, da janela embaçada, avisto a lagoa. Ela está fria e prata, como o vidro alagado que minha mão esfrega para conseguir enxergá-la melhor.

Assim também me encaro: esfregando alagamentos! Olho para minhas águas, remexo-as tentando vê-las cada vez mais nítidas, tentando ver o fundo das minhas poças.

Mas como é difícil me aventurar em mim! Quão mitológico sou! Sinto-me tão como Prometeu: castigado pelos deuses!

Estou preso no alto de um morro, pendurado pela perna e, toda manhã, uma águia vem e alimenta-se do meu fígado. Durante a noite, ele se regenera e, no dia seguinte, sou novamente banquete.

Contudo, apesar desse sacrifício, evoluo: aquilo, que consome minha matéria, alimenta meu espírito. Cada fígado traz mais rio e menos poças.

Pois de ponta cabeça, acabei por colocar as minhas raízes no céu e o meu sol, em grãos de barro. Desse modo, com a cabeça para baixo, minha alma vai se alinhando ao meu corpo, e esses dois seres tão distintos vão aprendendo a caminhar juntamente.

Florianópolis, inverno de 2015.

Revisto e revisado, setembro/outubro de 2022.


terça-feira, 11 de outubro de 2022

Impermanências

 

X – Roda da Fortuna

Início, meio e fim... existe um lugar – e talvez lugar não seja o termo mais correto para o que quero dizer aqui – mas há um lugar ou um tempo em que não temos início, meio e fim; pois sempre existimos e existiremos.

Há uma parte de nós que nunca nasceu e por isso nunca morrerá, contudo não será por aqui! Não neste corpo em que estamos navegando, que está em outra embarcação ainda maior, esta linda bola azul – o planeta Terra. Por aqui tudo tem início, meio e fim.

Nenhuma novidade nessa ideia, certo?

Todavia – apesar de termos consciência desse ciclo – ainda assim sofremos; seja ansiando por inícios que não chegam; temendo por finais com perdas ou infelicidades; ou nos martirizando por situações que “insistem” em permanecer acontecendo.

Na vida, aqui – de uma forma geral – estamos todos em alguma parte do meio desse ciclo. Nas áreas específicas da vida, em partes diferentes...

Talvez você esteja iniciando um relacionamento amoroso; ou já comemorando bodas de alguma coisa dele; ou esteja abraçado a um pote de sorvete para lidar com o final de um.

E na área profissional? Talvez esteja se aposentando, ou indo a uma entrevista de emprego, ou iniciando um negócio próprio, ou há tempos num emprego que não faz sentido algum pra sua vida além de pagar seus boletos. E por aí vai.

Sendo assim, como estão seus ciclos? Em que fase eles estão – início, meio ou fim? E há dor neles? E esta dor é por que algo começou, terminou ou está acontecendo?

Tudo aqui está começando, acontecendo ou acabando. Qual a dor desta alternância? E essa dor está no ciclo em si ou é agregada a ele?

Não há nada de errado com a dor, mas há várias formas de vivê-la...

Um adulto com dor buscará a causa para saná-la. Já um adolescente com dor buscará uma forma imediata de se livrar dessa dor. A criança com dor chorará chamando o papai ou a mamãe para curar o dodói.

Fingir que uma dor não existe ou tentar se esconder dela também são atitudes da criança. Não assumir responsabilidade também, pois ser adulto é se responsabilizar por si e pelo que acontece.

Como você está lidando com as suas dores e ciclos? Como o adulto, o adolescente ou a criança?

É possível lidar melhor com essas impermanências cíclicas e suas dores? Como viver esses ciclos com mais consciência? O que mais é possível e não se está vendo, escolhendo e sendo perante essas impermanências?

domingo, 2 de outubro de 2022

Descoisifique-se

 

04♦ Quatro de Moedas

Está tudo coisado! Coisamos tudo, pois hoje tudo vira coisa! Coisa, de tanto uso e necessidade, virou até verbo! Coisou mesmo... Que coisa, hein?

Na hora de comunicar, coisar tudo ajuda até: como é o nome daquela coisa? Aconteceu uma coisa hoje... Desculpe, a coisa coisou e acabei coisando! Bem, às vezes tanta coisa junta complica e deixa a mensagem coisada mesmo!

Se coisar tanto pode complicar a comunicação, imagina outras coisas! Pois de tanto coisar, paramos de coisar coisa com coisas e passamos a coisar coisa com não-coisas também.

Putz, coisei tudo mesmo, e agora?

Vamos descoisar!

Enquanto coisa era só para coisas tudo bem; mas, contudo, entretanto, porém, todavia agora coisamos até o que não é coisa alguma! A coisa se encheu de si e agora quer abranger substantivos além dos concretos, a coisa mudou de figura...

Hoje sentimentos são coisas...

Pensamentos são coisas...

Pessoas são como coisas...

Relacionamentos são coisas...

Deuses são coisas... e, como disse antes, coisou mesmo e está tudo coisado.

Respira aqui comigo; consegue perceber o problema nessa coisa toda? Percebe que coisar tanto vai além de um vocabulário preguiçoso?

Estamos coisando abstrações até...

Amor é coisa. Felicidade é coisa. Sexo é coisa. Prazer é coisa. Espiritualidade, coisa. Dinheiro, coisa. A vida está uma coisa só... Perdemos as dimensões das coisas. De tudo.

Coisar tudo não empobreceu apenas nosso vocabulário, mas nos roubou o sentido, a simbologia, a sacralidade, a riqueza, a pluralidade, a imaterialidade de nossa existência.

Respira aqui comigo mais uma vez e veja como tem lidado com as coisas em sua vida. Veja também como tem lidado com as não-coisas de sua vida.

Há semelhanças nessas relações? Visto isto, perceba se tem coisado o amor. Perceba se tem coisado a felicidade, as pessoas de sua vida, seus prazeres e todas as demais abstrações, imaterialidades e afins.

Pois nem tudo são coisas. Portanto, coloque as coisas no seu devido lugar! Descoisifique-se. É o conselho D’Quinta pra hoje, pra semana e pra vida.

Precisamos de mais amor próprio

  VI – Os Enamorados Precisamos de mais amor próprio. Abrace-se.  Por quê? Porque sem amor próprio andamos em círculos, já com amor pr...